Segunda-feira, 3 de Setembro de 2012

Mercado: o papão irracional

A visão do “mercado”, que me transmitiram quando estudei (ou a que consegui apreender, quiçá por ser a mais redutora e simplista), é que este era apenas e só o ponto de encontro entre vendedores e compradores.

 

Agindo o mais racionalmente possível, de modo a maximizarem a satisfação das suas necessidades, uns procuram comprar a maior quantidade possível e/ou a melhor qualidade, ao preço mais baixo que lhes aceitarem, e os outros, vender a maior quantidade possível, ao preço mais elevado que queiram pagar-lhes.

 

Esporadicamente, os que vendem partilham com os compradores alguma da sua preocupação com a qualidade.

 

No fundo, é isto. Outros enviesamentos poderão eventualmente acontecer por força de factores de distorção artificialmente introduzidos mas na prática, continuo a pensa que se resume a pouco mais que isto.

 

Depois, entram em cena a procura e a oferta. Quando aquela sobe, aumentam os preços, quando faz o percurso contrário, descem. E vice-versa em relação à oferta.

 

Por isso, há certas movimentações do “mercado” de transferências que me são particularmente difíceis de entender, senão as tomar por conta destes factores de distorção.

 

Três exemplos:

 

 

O interesse do Zenit no João Moutinho. Depois do Conselho de Administração do Zenit de Sampetesburgo ter vetado o pagamento de 50 milhões de euros pelo Hulk, ou o FC Porto ter recusado uma oferta daquele clube, por aquele montante pelo jogador, consoante os pontos de vista, foi noticiado que o clube em questão afinal, se virara para João Moutinho.

 

Tudo isto passado entre os dias 28 e 30 de Agosto, e portanto, a um dia do fecho da grande parte dos mercados europeus mais relevantes. As excepções serão os mercados francês, turco e, espantosamente, o russo.

 

Pelo que então se pôde ler, a oferta do Zenit pelo médio português ascendeu a 26 milhões de euros, quando a sua cláusula de rescisão é na ordem dos 40 milhões. O Tottenham chegou aos 27 milhões, e segundo consta, terá ficado a meras irregularidades processuais de consumar a contratação.

 

Concordo com o Vítor Pereira, quando diz que não haverá por esse Mundo futebolístico treinador que, dispondo o seu clube de arcaboiço financeiro para tanto, não queira dispor nas suas fileiras de Hulk e João Moutinho, ou apenas um deles.

 

O Spalleti, com certeza não será diferente. O que eu não percebo é a fixação do Zenit nos jogadores do FC Porto.

 

O Hulk e o João Moutinho actuam em posições bastante diferentes, por isso, só vejo duas hipóteses: ou os russos estavam (estão?) necessitados de jogadores para ambos os lugares, ou far-nos-ão em estado de tal carestia financeira, que depois da primeira nega, alimentavam esperanças de levar o segundo a preço de saldo.

 

Quanto às necessidades do lado deles, não faço a menor ideia. Sobre as nossas, aparentemente não serão tão prementes como tudo isso. Apesar das poucas vendas que fizemos, algumas, as melhores por coincidência, de faca ao pescoço, e os ajustamentos introduzidos no plantel, ainda assim, parece que fomos os que conseguimos o maior lucro.

 

Porque carga d’água é que o Zenit tanto insiste na nossa tecla? E mais ainda, porque é que um clube de um País onde o mercado de transferências ainda está aberto, entra em concorrência com um Tottenham, pelo João Moutinho?

 

Se era com o nosso desespero que contavam, então mais valia esperar pelo encerramento dos restantes mercados com alguma projecção, e aí sim, avançar com uma qualquer oferta.

 

Quem está desesperado por vender, se não tem mercado, não lhe resta alternativa senão baixar o preço. Serão estes russos burros ao ponto de desperdiçar uma vantagem competitiva destas? – à atenção de monsieur Platini, o fairplay financeiro também passa por aqui!

 

Porém, constata-se que, ao passo que os seus conterrâneos iconoclastas do Anzhi foram bastante lestos a negar o seu interesse por jogadores de outro emblema, quebrando assim a imagem de resistência estóica que se queria ver transmitida, da parte do Zenit não houve refutação alguma da versão do nosso presidente.

 

Tudo isto, é no mínimo estranho. E também não deixa de ser sui generis que tal aconteça em vésperas de uma deslocação complicada da nossa equipa, acompanhada da nomeação de um árbitro também ele complicado, mas que a bem da verdade, até nem complicou de sobremaneira.

 

Que tenha havido interesse dos Hotspurs, e que tenham chegado a vias de facto, não duvido. Quanto ao resto, haja irracionalidade meus amigos, mas nem tanto…
 

  

 

 

O affaire Palito. Este é outro negócio que, à primeira vista, prima em primeiro grau, para não sair da família mais chegada, pela irracionalidade.

 

Antes de mais, considero que foi um excelente negócio. Para nós, é claro. Podem vir dizer que o uruguaio há duas épocas atrás valia 22 milhões, o certo é que, no momento em que foi transferido, o valor facial do Álvaro Pereira era, quanto a mim, zero.

 

O seu destino no FC Porto estava delineado, e não era nem de ontem, nem desde este defeso. O jogo com o SC Braga, na Pedreira, deixou muito pouca margem de manobra a todas as partes envolvidas (jogador, treinador, clube).
 
 
 

Encostado, ou coisa parecida, nem o que demos por ele quando o contratámos, valia. Por tudo aquilo que já se viu ser capaz de congeminar no balneário, com impacto negativo junto do grupo de trabalho, se tivesse que o avaliar, talvez lhe desse um valor abaixo de zero.

 

Vir um clube como o Inter de Milão, aliás à semelhança do que aconteceu com o outro do chapéu, dar 10 milhões pelo Palito, é quase como estar com uma gastroenterite, e encontrar uma casa de banho decente no deserto tunisino (been there, done that!).

 

Ainda bem para nós, mas o que me faz espécie é porque é que os neroazzurri se prestaram a desembolsar tais quantias por aqueles dois jogadores?

 

Dirão que são dois bons jogadores, e que valem aquela dinheirama toda. No caso do uruguaio, não contesto. Quando quer, consegue ser efectivamente um dos melhores do mundo na sua posição. Ou pelo menos já o logrou conseguir, e os italianos terão a esperança de que volte a sê-lo.

 

O outro, nem tanto, mas parece que é por lá apreciado.

 

Por outro lado, o Inter não é conhecido por fazer contratações de jogadores a pensar na sua valorização e posterior revenda com lucro, como infelizmente parece ser o nosso fado sem remissão.

 

Logo, se se prestou a pagar aqueles valores, será porque era mesmo aqueles que queria no seu plantel.

 

Se é assim, sabendo de antemão o estado azedo a que haviam chegado as relações dos jogadores com o treinador, e por via disso com o clube, por que carga d’água é que atiram com aqueles montantes para cima da mesa, em vez de esperar que os dois lhes caíssem de maduros no colo?

 

Não é que me esteja a queixar, mas do ponto de vista meramente economicista, não parece ser uma decisão muito racional.

 

A não ser que, sem que a comunicação social, sempre tão expedita a arranjar interessados para os atletas que fazem parte do plantel do FC Porto, e que interessa manter, tenha dado por isso, o Inter tivesse alguns concorrentes na corrida por aqueles dois.

 

Ou querem lá ver que nós é que estamos mal habituados por cá, e por outras paragens ainda perdura alguma réstia de ética no futebol?

 

Numa altura em que o próprio Real Madrid parece que se prepara para provar o próprio veneno, e pagar com língua de palmo e meio os métodos que empregou quando contratou o Cristiano Ronaldo, duvido muito.
  
 

A contratação do Lima. Começo por dizer que até há dois dias atrás, gostei do Lima enquanto jogador, e que não me importava se por esta altura envergasse de azul e branco, em várias tonalidades, em vez de vermelho e branco.

 

No entanto, grande parte daquilo que vou escrever de seguida, infelizmente também teria aplicação se estivesse connosco.

 

Por uma vez, concordo inteiramente com a opinião do tratador de cavalos que masca chiclas, e também acho que são perfeitamente compatíveis, podendo jogar lado-a-lado, o Cardozo e o Lima.

 

Como alguma comunicação social, a mesma a que acima aludi, fez questão de frisar que, enquanto pontas-de-lança prioritários das suas equipas, aqueles dois valeram na pretérita temporada, 20 tentos cada um.

 

No entanto, jogando juntos, salvo se estiver para vir por aí uma avalanche de jogo ofensivo, dificilmente conseguirão alcançar aquela marca. Portanto, a tendência será para reduzirem a sua produtividade.

 

Marcando menos golos, é muito natural que baixe o seu valor de mercado.

 

Dado que o clube em questão tem no seu plantel mais dois avançados muito semelhantes àqueles, Rodrigo e Kardec, será com naturalidade que estes últimos perderão algum espaço na equipa e tempo de jogo, ainda que no caso do segundo, tal não passasse à partida de uma miragem.

 

Tratando-se de dois jogadores mais jovens que o Lima, e com alguma margem de progressão e valorização, jogando menos, é esse potencial que em parte se perde.

 

A entrada deste jogador no plantel vai ainda dificultar a chamada à equipa de jogadores como o Aimar, o Bruno César ou, ainda que menos, o Gaitán, para jogarem por trás do ponta-de-lança.

 

Mantendo-se o esquema de 4x4x2, só restará, nos casos do Bruno César e do Gaitán, jogar na linha, onde a concorrência é numerosa, e ao Aimar, como médio mais adiantado, onde terá a companhia do Carlos Martins.

 

Seja como for, esta entrada conjugada com a saída do Javi Garcia, como já se percebeu, vai obrigar o Witsel a jogar mais recuado.

 

O Matic ou os Andrés da B, por muito boa vontade que se possa ter, não estão à altura do lugar, e o belga é o que mais garantias oferece. Tendo em conta as suas capacidades, é contudo um desperdício fazer dele um trinco mais posicional, e mais uma opção que dificilmente concorrerá para a sua valorização.

 

Tudo somado, qual é a racionalidade da contratação de mais um ponta-de-lança, por uma equipa que só dispõe de um lateral-direito e que não tem lateral-esquerdo, nem um trinco capaz?

 

Estes são três exemplos de como se fossemos apenas pela questão da racionalidade do mercado, uma grande parte dos negócios no futebol estariam fadados a morrer à nascença.

 

Nestes casos, ainda bem para nós.
sinto-me:
música: Tudo está no seu lugar - Benito di Paula
publicado por Alex F às 13:27
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