Sexta-feira, 18 de Janeiro de 2013

Vítor: carago não, carago!

 

Vítor, meu Caro,

 

Há um provérbio chinês, sábio como o são todos eles, que diz que existem quatro coisas que não se recuperam: a pedra, depois de atirada; a palavra, depois de proferida; a ocasião, depois de perdida; e o tempo, depois de passado.

 

O que está feito, está feito, e o que está dito, está dito. Não há volta a dar. Essa é uma viagem que não tem regresso.

 

Não te dei os parabéns pelas palavras que proferiste após o jogo na Cesta do Pão, aproveito agora para tos dar. Foram ditas na altura certa e direitinhas à mouche.

 

Por que carga d’água é que vens agora admitir que te exaltaste? A tua admissão, por muito ética e moralmente correcta que seja, não passa de um cheque sem cobertura no banco da superioridade daqueles, a quem eventualmente a dirigiste.

 

Ainda que isso te alivie de alguma forma a consciência, e idiossincraticamente, sejas intrinsecamente um sujeito polido e simpático, até para aqueles que, na primeira oportunidade, te reduzirão a caca de galinha, ou outra ave qualquer, lembra-te que não estás nisto sozinho.

 

Ora, lê lá o texto que se segue, e de certeza que compreenderás onde quero chegar:

 

 

O nosso destino

 

Vou ver o Porto ao estádio da luz desde que me conheço. Parte das minhas memórias apesar de vividas são contadas. Cada vez que se fala do Cubillas cá em casa, o meu pai recorda-me dos seus feitos e de como eu festejava os golos e as fintas do grande peruano que fazia sempre grandes exibições cá por Lisboa. Eu até sou capaz de descrever muitos dos lances, mas não sei dizer se de facto me lembro deles ou se foi o meu pai que mos plantou na memória.

 

Lembro-me, porém, perfeitamente do dia em que percebi que alguma coisa tinha mudado nas nossas vindas ao local referido (confesso que me custa escrever o nome do campo). Foi em Janeiro de 1979. Já era um rapaz espigadote. Apanhei a maior molha da minha vida, levei uns tabefes no autocarro, mas cheguei com um sorriso a casa que dava para alumiar o meu bairro.


O resultado não foi grande coisa: empatamos. O slb marcou de penalty para os lampiões e o grande, o enorme Duda, o dragão de S. Siro, marcou para nós a passe do Costa. O Toni partiu a perna ao Marco Aurélio e o Frasquinho encheu de merecida porrada o Alves.


O Porto já tinha acabado com a malapata no ano anterior mas só naquele jogo senti que as coisas tinham mudado duma vez por todas. Foi a arrogância com que entramos em campo, o grande Rodolfo a estender o dedo à lampionagem, o Pedroto a rir dos insultos. Já não havia medo, nem respeito, nem nada. Havia um jogo para ganhar e tanto dava para os nossos jogadores terem pela frente umas camisolas vermelhas, verdes ou ás riscas, estar naquele ou noutro estádio qualquer. Depois desse jogo tive no dito sítio uns desgostozitos (há um jogo em 87 que ainda me está entalado ), uns jogos que me enfureceram por falta de garra, mas nunca mais senti que os meus tivessem medo (e deus sabe que sou suficientemente velho para ter visto isso).


Esta gigante introdução para falar do jogo de passado domingo de que não vou falar. Durante o almoço desse dia deu-me para falar aos meus filhos de jogos de antigamente, do algum receio que eu sentia quando era novito quando via o FC Porto cá em Lisboa e do tal jogo de 1979. Depois lá lhes fui dizendo que não achava que a nossa equipa estivesse a jogar grande coisa e que talvez as coisas não corressem bem.


Apesar de nesta casa ainda haver respeito, fui brindado com uns impropérios e umas larachas do género: “oh pai, tu és do tempo das chuteiras de travessas” ou “para estes tristes até tu chegavas”. O pior, corrijo, o melhor foi ver a cara de espanto dos rapazes e da rapariga, como se não estivessem a perceber bem o que eu estava a dizer. Para eles é tão evidente que somos melhores que eles, a confiança deles nas nossas camisolas é tal, que pura e simplesmente não percebem receios ou inseguranças.

 

Saíram de casa, foram ter com a nossa rapaziada à Pontinha, mas antes de sair o meu filho do meio veio-me dar um beijo e com a minha camisola do Porto de 87 vestida mostrou-me o brasão e disse-me: “o que conta é isto, até podiam ser mil contra um. Vamos ganhar”.


Sentado na merda do camarote, longe dos meus que saltavam dentro da jaula para onde fizeram questão de ir, vendo a naturalidade com que os nossos jogadores comiam vivos os adversários e lembrando o que o meu rapaz me tinha dito fiquei com a certeza que a nossa história ainda está a começar. Aquela camisola é mesmo mágica e os nossos filhos sabem isso melhor que nós. E eles vão viver mais alegrias que nós. É mesmo o nosso destino.”

 

(Pedro Marques Lopes, no Bibó Porto, Carago!)

 

Percebes Vítor? Há toda uma nova geração, ou por esta altura, se calhar até já serão várias, que não sabe o que é ser subserviente perante aqueles aos quais te justificas. Porque não tem que o ser. Porque não lhes deve vassalagem, seja a que título fôr.

 

Tu estás nisto com eles. Connosco. Estamos todos. Somos Porto, carago!

 

Carago não, carago!

 

Por isso, tem lá santa paciência, faças o que fizeres daqui para a frente, não repitas a gracinha!

 

…e livra-te de perder esta Liga!
sinto-me:
música: Don't look back - Fine Young Cannibals
publicado por Alex F às 13:37
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4 comentários:
De penta1975 a 18 de Janeiro de 2013 às 17:18
bravo!

(sei que não te importarás de, no meu estaminé, ter feito uma referência a tão brilhante prosa, com a qual estou de acordo)

abr@ço
Miguel | Tomo II
De Alex F a 18 de Janeiro de 2013 às 18:20
Miguel,

É claro que não me importo. Só tenho a agradecer. No fundo foi o que fiz ao Bibó Porto, Carago, e nem lhes disse nada...

Abraço

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