Segunda-feira, 30 de Setembro de 2013

Meritocracia selectiva à moda de Carnide

Os discursos pós-jogo do treinador e do presidente do clube que empatou em casa com o Belenenses, pese embora tenha sofrido um golo a fazer lembrar um outro, salvo erro em Coimbra, então validado pelo Elmano Santos, de que ninguém na altura se queixou, cairam no tom circunstancial para estas ocasiões.
 
Não sendo de hoje, as suas constantes reprises, cada vez mais me deixam a sensação de que, mais do que esforçarem-se para tentar ganhar qualquer coisa, a grande preocupação é arranjar uma boa desculpa para os vários e recorrentes insucessos.
 
Um bocado na senda de um fluxograma para a resolução de problemas que aqui há uns anos circulava pela net.
 
 

Há contudo alguns benfiquistas, poucos, de certeza, que não vêem as coisas assim. O Henrique Raposo será um deles, como se infere do texto que abaixo reproduzo: 

 

"No país dos árbitros não há cavalheiros"

 

 

"Faltam muitos ismos a Portugal, mas estou desconfiado que a escassez de cavalheirismo está no topo da lista. Não, não estou a falar da delicadeza com as senhoras. Esse é o lado gingão do cavalheirismo. Falemos apenas da essência da coisa, por favor. Que essência é essa? Como diria o meu amigo Francisco Mendes da Silva, o cavalheiro é aquele que sabe reconhecer o mérito alheio, é o paxá que tem a auto-confiança necessária para assumir que o adversário mereceu ganhar. Não, não o confundam com o idiota que não se incomoda com a derrota. Cavalheiro não é eufemismo de falhado. O cavalheiro não gosta de perder, mas consegue ver dignidade na vitória do adversário. Até porque a sua evolução dependente desse acto de humildade. Só podemos corrigir erros se admitirmos a existência dos erros, não é verdade?

 

Em Portugal, o cavalheiro passa por totó. Um facto bem evidente no futebol, o passatempo nacional. As equipas e respectivos adeptos nunca reconhecem o mérito do adversário. Sei do que falo. Como benfiquista, não tenho paciência para os benfiquistas que só fazem mal ao Benfica através das teorias da conspiração anti-Pinto da Costa. Nos últimos vinte anos só ganhámos três campeonatos, o resultado de precipitações, incompetência e amadorismo (a época passada está incluída nesta trindade negra). Mas, para milhões de benfiquistas, o Benfica perdeu a hegemonia do futebol português só por causa da relação promíscua entre Pinto da Costa e os árbitros. Essa relação existiu, mas não explica por si só o nosso fracasso. Não foi Pinto da Costa que contratou Tahar, Pringle, Quique Flores ou Emerson. Não foi Pinto da Costa que elegeu Vale e Azevedo. Não se pense porém que os benfiquistas têm o monopólio da falta de cavalheirismo. Em 2010, o Benfica ganhou o campeonato, apresentando o melhor futebol das últimas décadas em Portugal. Apesar da evidente superioridade do Glorioso, os adeptos do FC Porto nunca largaram a lengalenga do "túnel". E como é que justificam a hegemonia do Benfica ao longo dos anos 60 e 70? Era o clube de Salazar, dizem.

 

Com uma preguiça aflitiva, as TVs patrocinam este clima há décadas através dos inenarráveis paineleiros, verdadeiras comadres do bate-boca taberneiro. Até parece piadinha: estes senhores recebem milhares de euros para manterem conversas que podemos ouvir de borla ali na tasca do Zé. E o pior é que os jornais também acolheram este ar rasteirinho. Os cronistas que vestem as camisolas acabam por cair no habitual choradinho de queixas e insinuações. Ninguém parece interessado em partilhar o amor pelo clube, as suas memórias, as suas idas ao estádio, etc. Ou seja, ninguém parece interessado em escrever, em cronicar. E, acima de tudo, ninguém quer saber do cavalheirismo. Resultado? Como ninguém consegue assumir a justiça da vitória alheia, a conversa não sai do lero-lero sobre penáltis e um erro do árbitro deixa de ser um acaso e passa a ser a prova definitiva de um esquema maquiavélico.

 

Moral da história? Os outros nunca têm mérito, aliás, não existe mérito. É assim no futebol e, estou desconfiado, na vidinha em geral. O tuga encontra sempre um árbitro malévolo no trabalho, na escola, na estrada. A culpa nunca é nossa".

 

 

Valha-nos que, aos poucos que ainda possuem uma réstia de clarividência, que lhes permite descortinar algumas insuficiências próprias nos insucessos da sua equipa, não os escolhem os seus apaniguados para liderar os destinos do clube. Preferem aqueles como os que lá estão. E ainda bem.

 

No entanto, apesar do ponto a favor, note-se o apelo irresístivel do maniqueísmo e pluribus unum, a fazer das suas.

 

É claro que houve falhas próprias. Mas, obviamente, que é lá isso de relevar a "relação promíscua entre Pinto da Costa e os árbitros", seja ela qual for? Nem pensar. "Essa relação existiu". Pois é, o "Apito Dourado", e tudo aquilo que sabemos. Whiskas saquetas.

 

Do nosso lado, ao melhor futebol do Mundo e arredores, contrapomos teimosamente a "lengalenga do "túnel"". Incompreensível.

 

Se não me falha a memória, é verdade. Em 2010 houve uma equipa que jogava bom futebol. E corria muito. Muito mesmo, como há muito não se via correr, se é que alguma vez alguém correu assim.

 

Mas foi graças a esse futebol que essa equipa foi campeã?

 

Salvo erro essa equipa, que jogava mundos e fundos, teve durante quase toda a época a companhia de um modesto SC Braga, o qual, aliás, só ultrapassou com uma antecipação manhosa de um jogo à 20.ª jornada, e chegou à última jornada com apenas com menos dois pontos que o campeão.

 

E como foi importante essa ultrapassagem, assim como a tal "lengalega do "túnel"", para a geração daquela famosa onda, que tudo levou à frente, e fundamentalmente para assegurar a estabilidade emocional de um pateta platinado. Desde então, nunca mais se reuniram estas condições, e os resultados estão à vista...

 

O tal SC Braga haveria de perder a derradeira partida, e acabaria a cinco pontos do campeão. Porém, há que ter em conta que o tal campeão, aquele que transpirava bom futebol, foi beneficiado pela arbitragem em dois jogos em casa, contra o FC Porto e a Naval 1.º de Maio, que lhe valeram duas vitórias e quatro pontos, e em Setúbal, com um fora-de-jogo mal assinalado num golo do adversário, que lhe valeu mais um ponto.

 

Cinco pontos. Sem estes pontos ter-lhe-ia bastado o "melhor futebol das últimas décadas"?

 

Quanto ao FC Porto, é claro que a "lengalenga do "túnel"" não é desculpa, especialmente quando se termina o campeonato em terceiro lugar, a oito pontos do líder. Mas, e se aos cinco pontos que haveria a subtrair ao campeão, somássemos o ponto sonegado na Cesta do Pão, e os pontos correspondentes a duas vitórias, que não o foram por terem sido mal anulados dois golos ao Falcao, contra Belenenses e Paços de Ferreira? Eram mais cinco pontos.

 

Onde é que ficava o "melhor futebol das últimas décadas"

 

Há que dar mérito a quem o merece? É verdade. Lucílio Baptista, Jorge Sousa, Rui Costa e Benquerença têm grande parte do mérito do "melhor futebol das últimas décadas", e as lições de moral, do tipo "bem prega Frei Tomás", que fiquem para quem as prega. 

música: Emotional Rescue - Rolling Stones
sinto-me:
publicado por Alex F às 23:06
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1 comentário:
De Fernando Kosta a 1 de Outubro de 2013 às 13:07
Sempre a admirar estas prosas.
Muito bem!

Nota: e assino por baixo...

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