De pequenino...
Os meus filhos estão com seis anos, e um deles deu em Outubro passado, os primeiros passos da sua carreira futebolística.
Para já, infelizmente, não a antevejo como suficientemente promissora para garantir aos pais uma reforma folgada, mas enfim, não se pode ter tudo. Desde que ele goste e se divirta. As coisas mudam e as crianças também. Há que ter esperança...
O rapaz ainda está a começar, só que, até a mim que nunca treinei futebol, e que me limito a mandar bitaites, me parece que há ali demasiado amadorismo, e que os miúdos, passados seis meses, ainda andam perdidos em campo a maior parte do tempo.
Pese embora sejam federados, no escalão dele, os Petizes, não existem competições oficiais. As equipas combinam jogos entre si, ou organizam torneios amigáveis, para os miúdos se irem habituando à competição.
A equipa do meu filho está num desses torneios. É organizado pela Escola de Futebol Geração Benfica. Entre as 10 equipas participantes, andam por lá a Geração Benfica de Faro, a Geração Benfica de Loulé e a Casa do Benfica de Tavira, que tem equipa A e B.
Em dez equipas, quatro têm esse factor em comum.
Os árbitros são todos da Geração Benfica, e no último jogo da equipa do meu miúdo, era, curiosamente, um dos treinadores da equipa adversária. Árbitro e treinador, ao mesmo tempo. É para se irem habituando...
O torneio tem regras. Ainda não as vi escritas, mas tem-nas. Jogam futebol de cinco, em metade de um campo relvado sintético de futebol de sete e as equipas podem levar para cada jogo até 10 jogadores. Os cinco iniciais em cada parte, jogam obrigatoriamente apenas meia parte, para que tanto quanto possível, joguem todos. Uma espécie de iniciação à rotatividade.
O clube do meu filho, até agora, tem feito um esforço no sentido de cumprir escrupulosamente esta regra.
Do lado dos organizadores, não é tanto assim. Em vez dos dez jogadores, aparecem seis, sete, oito…
Ou seja, partindo do princípio que são convocados para os jogos os melhorzinhos, há alguns destes que acabam por jogar mais tempo do que os miúdos das demais equipas.
Os responsáveis dizem que convocam os miúdos, mas que os pais não os levam aos jogos, o que me faz espécie. Sendo aquela uma marca de sucesso, seria de esperar que tivessem miúdos aos magotes, prontos para serem convocados, e paizinhos disponíveis para os levar aos jogos.
Contudo, através de alguns pais de miúdos que lá andam, fiquei a saber que, por vezes, nem têm conhecimento dos dias em que jogam. Alguns nem sequer tinham conhecimento da existência de jogos.
É incrível que, aos seis anos de idade, este tipo de coisas aconteça, mas também não é surpreendente, se tivermos em conta o comportamento de alguns dos progenitores que assistem às partidas.
Muitos querem ter mais do que um poster do Cristiano Ronaldo lá em casa, e além disso, há que afirmar a marca. A pressão para ganhar começa cedo, e haja dinheiro para estátuas.
É estranho, mas é apenas folclore.
A questão é que vivo no Algarve, mais propriamente em Faro, e por isso, não sei o que se passa noutras zonas do País. Agora, isto é algo que presencio a cada quinze dias, sempre que há jogos.
Obviamente que não estava à espera de encontrar um Dragon Force ao virar da esquina, o mais perto que conheço fica em Almancil.
Apesar de não ser longe, com a famosa EN 125 em hora de ponta, torna-se de todo impraticável para quem vive em Faro.
A realidade é esta: em termos de implantação, a cor vermelha preenche um espaço de tal ordem no todo nacional, que os miúdos aos quais é deixada alguma margem de escolha, quando chegam a estas idades, são autênticas ilhas, rodeadas de um apelativo mar vermelho.
E é nestas idades que se faz esse tipo de escolha, quase sempre irreversivel, e que assim, quase deixa de ser uma opção para passar a um afogamento.
Como é que se contorna isto?
Não sei. Apenas posso falar do meu exemplo. Como é que um algarvio, que nunca pusera os pés no Porto, se torna adepto do FC Porto?
Os meus pais são sportinguistas, mas nunca me influenciaram. Quando comecei a jogar futebol na primária, a escolha era ainda entre o vermelho e o verde.
Na altura, optei pelo vermelho. Mas depois, influenciado por um primo mais velho, por sua vez influenciado pelo bicampeonato conquistado por Pedroto, em 77-78 e 78-79, acabei por decidir que o azul-e-branco era a minha cor.
E, pese embora as derrotas dos anos seguintes, até hoje.
A minha irmã era do Boavista, por causa do Folha, não o nosso, mas o axadrezado que dava mortais quando marcava golos.
Quando este se mudou para a capital, também passou a ser portista.
São estas coisas que levam os miúdos a decidir. Os milhões são importantes, sem dúvida.
Mas, a acontecer o bicampeonato do outro lado, quantos miúdos, daqueles que vivem longe do Dragão, imersos na realidade que descrevi antes e que não percebem nada de milhões, irão escolher o vermelho?
É irrelevante isso? Bem, se o Carlos Abreu Amorim tiver razão, e o sul fôr apenas uma terra infestada de magrebinos, sim.
Ou se o que se quer é apenas um clube nortista, elitista e muito pouco liberal, também.
Contudo, dou o benefício da dúvida, e interrogo-me se quem decide que há vitórias e competições prioritárias, e que o mais importante são os milhões, estará consciente desta realidade, ou estará apenas refasteladamente alapado no sofá do seu portismo.
E já agora, se está consciente, talvez possa transmitir aos nossos rapazes que vão entrar em campo amanhã, e ao treinador que os comanda, o que é esta sensação claustrofóbica avermelhada.
Pode não servir de nada, mas também pode ser meio caminho andado para a vitória.