"a federação está na perfeita legalidade, porque é uma associação de direito privada, regularmente constituída e que se rege pelas normas das associações. no meu entender esse decreto é inconstitucional porque viola a norma constitucional sobre a liberdade de associação e organização associativa. portanto a federação está na legalidade, não tem direito é ao estatuto de utilidade pública desportiva. mas isso não a impede de exercer as suas funções."
Este é um excerto de uma entrevista concedida pelo novel Presidente do Conselho de Justiça (CJ) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), àquela brochura pornográfica, “A Bola”, que infelizmente, não está integralmente disponível na versão online, pelo que o fui buscar ao blog do António Boronha.
Ora, finalmente alguém que vem a terreiro anunciar o (para mim) óbvio desde o início.
A FPF é uma associação de direito privado e, por isso mesmo, à luz do artigo 46.º da Constituição desta nossa República (CRP), desde que não se destine a promover a violência e os seus fins não se revelem contrários à lei penal, goza da prerrogativa de prosseguir livremente os seus fins “sem interferência das entidades públicas” (n.º 2 do artigo 46.º da CRP).
Assim sendo, quando o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico das Federações Desportivas), vem dizer que o regime jurídico aplicável às federações é o nele disposto e, “subsidiariamente, o regime jurídico das associações de direito privado”(artigo 4.º), não sei, não…
Por muito que isto custe a algumas pessoas, pelos mais variados motivos, e ao próprio Boronha, convém distinguir aquilo que são interesses e vinganças pessoais, do Estado de Direito em que vivemos.
A FPF, enquanto entidade de direito privado, pode, como muito bem entender, continuar a organizar campeonatos, por si, ou por delegação na Liga de Clubes, e os seus órgãos, de entre eles o CJ, a funcionar como dantes, quartel-general em Abrantes. A questão da não adaptação dos estatutos tem impacto sim, mas ao nível da atribuição do estatuto de utilidade pública.
Só que essa é outra história, e é esse estatuto que se encontra parcialmente suspenso pelo o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (SEJD).
Suspendeu-o porque esta, apesar dos esforços envidados para reformular os seus estatutos à luz do novo regime jurídico das federações desportivas, não os conseguiu fazer aprovar em devido tempo na sua Assembleia-Geral.
De acordo com o Regime Jurídico das Federações Desportivas (art.º 64.º), as federações desportivas existentes dispunham de um “prazo de seis meses a contar da publicação do despacho referido no n.º3 do artigo 26.º”, para proceder à adaptação dos seus estatutos, tendo em conta o novo enquadramento legislativo, que entrariam em vigor na época desportiva seguinte.
O despacho referido no n.º3 do artigo 26.º, determina quais as modalidades consideradas colectivas e individuais, e foi proferido pelo SEJD em 14 de Janeiro de 2009 (Despacho n.º 3203/2009), sendo publicado em Diário da República a 26 do mesmo mês.
Portanto, às federações desportivas, e designadamente à Federação Portuguesa de Futebol (FPF), era concedido um prazo até 26 de Julho de 2009, para que procedessem às devidas adaptações dos seus estatutos.
Pelos vistos, a FPF, malgrado a bondade dos seus esforços, não conseguiu ver aprovados os novos estatutos até àquela data, de tal forma que, em Março de 2010, oito meses transcorridos, vá-se lá saber porquê, se por inércia, inépcia ou outro motivo qualquer, o SEJD dá um prazo definitivo de dez dias para regularização da situação, findo o qual a decisão de suspensão do estatuto de utilidade pública se tornou irreversível, com efeitos a contar a partir de 12 de Abril.
A suspensão da utilidade pública da FPF [art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008), resultou, conforme se prevê naquele diploma (art.º 21.º, n.º1, alínea a)], da “(v)iolação das regras de organização interna das federações desportivas constantes no (…) decreto-lei”.
E quais são as possíveis penalizações que, pelo diploma, serão susceptíveis de aplicação neste caso?
“a) Suspensão dos apoios decorrentes de um ou mais contratos-programa;
b) Suspensão de outros apoios em meios técnicos, materiais e humanos;
c) Impossibilidade de outorgar novos contratos-programa com o Estado pelo prazo em que durar a suspensão;
d) Impossibilidade de beneficiar de declaração de utilidade pública da expropriação de bens, ou direitos a eles inerentes, necessária à realização dos seus fins;
e) Suspensão de processos de atribuição de quaisquer benefícios fiscais;
f) Suspensão de toda ou parte da actividade desportiva da federação em causa.”
Aliás, a forma como o Diário de Notícias (DN) dava na altura a notícia e as citações extraídas do discurso do SEJD, parecem concordar comigo:
“A perda do direito de organizar competições desportivas para já tudo indica que não se coloca.”
“(…) o secretário de Estado já afirmou que não irá condicionar a actividade da FPF, nomeadamente a actividade das selecções….”
“As actividades da FPF não podem ser prejudicadas, algumas delas da mais alta importância para o País”.
Tratou-se, como terá referido então o SEJD, de «“fechar a torneira” dos apoios financeiros (…) dos quais muitas dependem para viver». E só.
Fundamentalmente, foi uma penalização de carácter financeiro, atingindo, no caso, a FPF e a Federação Portuguesa de Vela, onde mais lhes dói: no bolso.
Porquê então todo este drama à volta da ilegalidade da FPF?
Convirá lembrar como é que esta questão surgiu, recordam-se?
Pelo que me lembro foi trazida à baila por alguém que, não foi convidado a permanecer no cargo que ocupava, no novo elenco da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (Liga).
Alguém que saiu da Liga e se tornou cronista num (mal) afamado diário desportivo.
Um fulano que, quando resolve dar vazão ao narciso que há em si, emite opiniões, que em geral, e no caso do FC Porto, em particular, não colhem na maioria das vezes a concordância dos seus colegas de profissão.
Um sacripanta que afastou dois profissionais portistas dos relvados por tempos e tempos, para depois se vir a verificar, que afinal, até não era bem assim.
Exactamente. Já lá chegaram: o ilustríssimo Ricardo Costa.
Tanto quanto sei, esta questão foi suscitada numa entrevista concedida pelo dito cujo a Sílvia Freches, da revista de sábado do jornal Diário de Notícias, intitulada “Ricardo Costa – O perfeccionista que mexeu no futebol”, cujas passagens fundamentais, a meu ver, serão as seguintes:
“Tinha ambições para continuar no cargo?
Nenhumas. Logo, se tivesse sido convidado, a resposta era não.
Porquê?
(…) parece-me que a lei das federações não permite a continuação em funções da Comissão Disciplinar desde Julho deste ano. Nunca exerceria este cargo nesta situação de incerteza e dúvida sobre a legalidade da justiça desportiva da Liga.”
(como não consegui aceder à entrevista online, no site do jornal, tive que ir por outros caminhos, até onde quem a quiser ler na íntegra, poderá encontrá-la)
Mas, porquê toda esta preocupação com a ilegalidade da FPF, e por consequência, da Liga, e porque é que só se torna preocupante a partir de 1 de Julho de 2010?
Ok, de acordo com o regulamento de competições da Liga, a época 2010-2011, começa precisamente a 1 de Julho. A data coincide.
Só que, se era para estar com tremores, então o bom do Costa, talvez os devesse ter tido logo a partir do momento em que à FPF foi retirado o estatuto de utilidade pública, ou seja, em 12 de Abril de 2010.
Bem vistas as coisas, a partir desse momento a Federação deixaria de ter “competência para o exercício, em exclusivo, (…) de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública (…)”(art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008).
A haver alguma ilegalidade, então ela remontaria a essa data, e não à data em que os estatutos reformulados deveriam entrar em vigor, ou seja, na época seguinte, ou 1 de Julho, como defende a tese ricardina.
Ora, a Liga, a cujo Conselho de Disciplina este presidiu, não tem competência própria para o exercício do seu poder disciplinar. Exerce-o por delegação de competências da Federação. Logo, estando a Federação “ilegal”, a partir da data da suspensão da utilidade pública, também o órgão do Costa, assim o estaria.
Será que não duvida também da legalidade de todas as decisões que tomou a partir daquela data? Só é ilegal a partir de Julho de 2010? Porquê?
Que azar só agora ter dúvidas. É que se estas o tivessem acometido na devida altura, talvez não tivesse deixado passar sem recurso a decisão do Conselho de Justiça da FPF de reduzir as penas aos atletas do FC Porto!
Mas afinal de contas, porque é que o ilustre Costa confunde a data em que a FPF entra em pressuposta “ilegalidade”, e que deveria coincidir com a retirada do estatuto de utilidade pública, com a data em que deveriam entrar em vigor os novos estatutos federativos?
Por distracção? Porque não sabe mais? Porque lhe dá jeito? Ou porque lhe apetece?
Mistério! O que se sabe, porque é público, é que o Secretário de Estado Laurentino Dias vetou o nome de Ricardo Costa, para integrar a Comissão para a Justiça Desportiva, que irá debruçar-se sobre o estado da arte da (in)justiça desportiva e a possível implementação de um Tribunal Arbitral Desportivo, e que houve um clube que recentemente vetou o Secretário de Estado, considerando-o “persona non grata”.
Coincidência, obviamente!
Para concluir, que isto já vai chato e comprido como o peixe-espada, descubram as diferenças entre a primeira parte do excerto da entrevista do ex-Presidente do CD da Liga, e aquela anedota com barbas brancas, do alentejano que ouve dizer que a companhia aérea nacional se encontra a recrutar pilotos de aviação.
Dirige-se pressurosamente para Lisboa, e nos serviços administrativos do Aeroporto da Portela, pede para falar com alguém dos recursos humanos.
“Era por causa do anúncio p’a piloto!”
“Ah! Sim, sim, faça favor. O senhor tem brevet de piloto?”
“Tenhe o queim?!”
“Brevet de piloto de aviação. Licença para conduzir aviões?”
“Na tenhe, nã senhora!”
“Então, e já conduziu algum tipo de avião?”
“Nã senhora!”
“Ao menos fala inglês?”
“Nã!”
“Então o que é que veio cá fazer?”
“Olhi, ê vim p’ra dezer p’a nã contaren cumigue!”
Anedota é anedota. O dr. Ricardo Costa, até ver, é real.
…e depois os alentejanos é que são estúpidos!
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