Terça-feira, 29 de Março de 2011

P.V.P. ou “Da influência da cor vermelha enquanto factor de distorção na apreensão da realidade” – Parte II

(continuação daqui)

 

Costuma-se dizer que “a necessidade aguça o engenho”. Neste capítulo, ainda que possa estar em causa uma questão de sobrevivência da espécie, contornando ardilosamente aquela que deveria ser a selecção natural nestas coisas, não é profundamente engenhosa a metodologia empregue.

 

No fundo, bem vistas as coisas, mais não temos do que o recurso ao maniqueísmo mais antigo revelado nos livros: a interminável luta do “Bem” contra o “Mal”.

 

Aos que estão do lado do “Bem” tudo lhes é permitido, tudo lhes é perdoado, qualquer forma de actuação é justificável para atingir o seu supremo desígnio: derrotar o “Mal”. Os fins supremos justificam plenamente os meios empregues.

 

Os que estão do outro lado da contenda, qualquer que seja a sua linha de conduta, terá sempre a maculá-la, qual "Espada de Dâmocles", o facto de não alinharem do lado do “Bem”, e nenhum mérito, ainda que ele seja seu por direito inalienável, lhes será reconhecido. Os fins serão sempre obscuros, e os meios para os atingir, ainda que idênticos aos postos em prática do outro lado, serão sempre censuráveis.

 

Mais do que isso, o “Bem” tem do seu lado a prerrogativa de determinar quais os comportamentos desejáveis ou censuráveis, e como deverão terceiros comportar-se.

 

Também aqui nada de novo, ou nada que não se tenha visto, por exemplo, nos tempos luminosos da Santa Inquisição, e que encheria de júbilo Tomás de Torquemada.

 

No “Trio de Ataque”, da RTPN, de 23.03.2011, o boneco de ventríloquo que toma parte no dito programa, fazendo alarde da sua costumeira eloquência de orogotango gago, mimoseou os telespectadores com um belo e esclarecedor sermão a este propósito.

 

Mas valeu a pena, pois ficámos todos cientes daquilo que, do ponto d evista do “Bem”, permite distinguir um “acto de barbárie” de “um acto de violência”. Se quiserem ver por vós, não demora mais do que uns vinte minutitos, logo no início do programa.

 

 

 

Assim, comecemos pela “barbárie”, que foi pano de “Fundo”.

 

Então, para o dito "Donald", estaremos perante “actos de barbárie”, quando o Rui Gomes da Silva é agredido no Porto, ou quando o autocarro do clube que defende, é apedrejado à saída de Paços de Ferreira. Ou seja, actos de violência premeditados, segundo a sua douta opinião, e por azar, ele dá-a, mesmo que lha não peçam…

 

Terá omitido, certamente por esquecimento, o bárbaro apedrejamento de que foi alvo o autocarro do mesmo clube, aquando da sua deslocação ao Dragão na temporada passada, e pelo qual o FC Porto foi exemplarmente punido pela Comissão de Disciplina da Liga de Clubes.

 

 

  

Outros actos de violência, em que não seja macroscópicamente visível essa premeditação, não passam de isso mesmo, meros “actos de violência” ou momentos de simples exaltação de ânimos.

 

Nesta categoria poderemos então incluir coisas como as exuberantes manifestações de fairplay e de conduta profissional exemplar que o melhor treinador do Mundo, acima do Mourinho, demonstrou por duas vezes esta temporada, após desafios contra equipas madeirenses.

 

Ou o espontâneo apedrejamento do autocarro do Vitória de Guimarães, lá para as bandas de Alverca, depois da vitória desta equipa na Cesta do Pão, para a Taça de Portugal.

 

Claro está que este acto não terá sido, de forma alguma premeditado, e certamente que foram as gentes de Alverca a manifestarem a sua revolta pela deturpação da realidade histórica associada ao nascimento da nação, quando toda a gente bem sabe (ou deveria sabê-lo) que o berço do nosso País é Alverca, e não Guimarães.

 

Ou o, nem por sombras previamente estudado, apedrejamento do autocarro do FC Porto e dum carro onde seguiam dirigentes do clube, na A5, ainda antes do jogo que iriam disputar no Estádio António Coimbra da Mota, para a Taça da Liga, contra o Estoril-Praia. Ou deste mesmo autocarro, quando se dirigia para o Dragão.  

 

Ou, para terminar, e sair da Idade da Pedra, o apedrejamento de carros de adeptos do FC Porto e do GD de Chaves, depois da final da Taça de Portugal, entre estas duas equipas, onde, como todos nos recordamos, o que mais houve foram ânimos exaltados, e que tiveram a singularidade pluralista, de atingir ambos os lados.

 

Obviamente que em nenhuma destas situações terá havido a mais pequena sombra de premeditação. Apenas ânimos exaltados.

 

Como ânimos exaltados houve em Olhão, em Braga, ou em Setúbal, onde até as más maneiras das forças policiais foram postas em causa, ou em Paços de Ferreira, num claríssimo aquecimento prévio para o apedrejamento que se seguiu ao jogo.

 

Todas estas ocorrências, e outras que me escuso de enunciar, porque tornariam ainda mais fastidioso este texto, deveriam então, de acordo com os superiores parâmetros do Donald de serviço no “Trio de Ataque”, ser levadas a título de “exaltação de ânimos”, provavelmente por consumo excessivo de cafeína.

 

Deste modo, seriam indignas da mais ínfima referência à sua ocorrência, quanto mais de um qualquer comunicado a seu propósito. O apedrejamento do autocarro e os danos colaterais infligidos à viatura que o seguia, em Paços de Ferreira, e a agressão a Rui Gomes da Silva, esses sim. Enquanto “actos de violência” premeditados, leia-se, “barbárie”, deveriam ser alvo de comunicados e repudiados a viva voz por todos quantos os que quisessem viver sob o manto protector do “Bem”.

 

Os outros? É deixá-los esboroarem-se em poeira pelo tempo, até que alguém venha e os varra para debaixo de um qualquer tapete do esquecimento.

 

Isso era o que os paladinos do “Bem” viam como o caminho iluminado. Mas não foi o que obtiveram.

 

O “Mal”, fazendo alarde da perfídia intrínseca à sua natureza, veio condenar o "acto de barbárie" cometido contra o veículo, mas deixou de fora outros que afligiram as forças do “Bem”, e pior ainda, cometeu o desplante de se vitimizar por outras situações em que o próprio sentiu na pele idênticas agruras.

 

E isto é algo intolerável para o “Bem”. "Lamentável", foi o adjectivo mais suave utilizado para classificar o comunicado do "Mal". A memória é uma heresia que quem quer cair nas graças benfazejas do "Bem", não pode, nem deve ousar dar guarida, especialmente se correr a desfavor daquele.

 

Assim demonstrou amplamente o Donald logo após o jogo do cincazero, quando, tendo colocado nessa altura em “Fundo” o “Mau ganhar do FCP", se viu confrontado pelo portista Miguel Guedes, com os acontecimentos que antecederam o jogo com o Estoril-Praia, e candidamente retorquiu:

 

“O que é que o [clube de que é adepto] tem a ver com isso?”

 

  

 

É o comportamento típico das Putas das Virgens Puras, que quando não conseguem distorcer a realidade ao sabor da cor vermelha, que tanto as fascina, simples e ingenuamente não vêem, não ouvem, não sabem ou não se lembram de nada daquilo que não lhes interessa.

 

Pena é que assim seja porque, violência é sempre violência, venha ela de onde vier, e atinja quem atingir. Não há que fazer distinções entre a "violência boa" e a "violência má", que só contribuem para a escalada da dita cuja, como se viu no ataque à Casa do FCP em Coimbra.

 

A ignorância ainda é desculpável, agora a desonestidade intelectual e a má fé não têm desculpa possível. Quando se põe um pirómano a assar as sardinhas, será bom que se goste delas esturricadas.

 

 

 


Nota: Por um lamentável e mais que evidente lapso, pelo qual me penitencio, a foto do autocarro imolado pelo fogo, não retrata o estado em que ficou a viatura após o acto pelo qual o FC Porto foi exemplarmente punido, mas sim de um outro veículo, este totalmente destruído nas imediações de um estádio deste País. Relativamente a esta situação não foi possível apurar a punição em que terão incorrido os seus autores. Aguarda-se por mais um 10 de Junho, pode ser que seja desta...

 

sinto-me:
música: Before you accuse me - Eric Clapton
publicado por Alex F às 13:33
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