Sexta-feira, 24 de Abril de 2015

Não me levem a mal (por querer ganhar qualquer coisinha)

João Pinto Hexa

 

Ao longo do tempo, muito daquilo que aprendemos na escola vai desvanecendo, mas há sempre coisas que ficam.

 

Por exemplo, aprendi, salvo erro em Gestão Comercial, que quando queremos entrar num mercado onde existe um concorrente que detém uma posição dominante, a melhor forma de o fazer é pela aposta na diferenciação do nosso produto.

 

Deixar bem claro aos nossos potenciais clientes quais os factores distintivos, que nos demarcam da concorrência, que lhes trarão benefícios e, em última análise, os levarão a optar pelo que oferecemos, em detrimento dos demais.

 

Espero que concordem comigo se afirmar que o mercado futebolístico português, é claramente dominado por um clube, com particular incidência naquilo que se passa fora do terreno de jogo, e muito especialmente, quando se trata de fazer as coisas pelo outro lado. É neste mercado que operamos, e quanto a isso, pouca volta haverá, de momento, a dar.

 

Cresci a gozar com os meus amigos sportinguistas, chagava-lhe o juízo dizendo que ainda iam gastar as palmas das mãos, de tanto as esfregarem, enquanto rezavam sempre o mesmo terço: "Este ano é que vai ser, vais ver, este ano é que vai ser!".

 

O primeiro título que vi o FC Porto conquistar, foi aquela Supertaça Cândido de Oliveira, em que após o segundo jogo, o guarda-redes da equipa derrotada, de seu nome Manuel Galrinho Bento, veio dizer que era uma taça a feijões.

 

Primeiro gozei, e depois irritei-me (e irrito-me!) com alguns benfiquistas que, incapazes de reconhecer o mérito das nossas conquistas, e à falta de melhores argumentos, continuam autisticamente a remeter a sua justificação para os árbitros, para a fruta, o chocolate ou o sistema.

 

Contudo, ao longo da presente temporada, sempre que percorri alguns dos espaços que me habituei a visitar na bluegosfera, e outros mais recentes, o panorama foi quase sempre o mesmo.

 

As competições são hierarquizadas por prioridades, há as que vale a pena disputar, e as outras, que vamos lá, mas se não fossemos, ninguém ficaria terrivelmente chateado. A feijões, portanto.

 

As derrotas e os títulos, que as mesmas pressupõem deixarem-se de conquistar até nas provas prioritárias, são justificadas pacientemente pelo "projecto a três anos", que nesciamente não consigo descortinar, e pelo tempo que é necessário para construir algo que valha a pena no futuro.

 

É claro que só a massa ignara dos adeptos resultadistas e imediatistas não consegue compreender isto.

 

E depois, as queixas dos árbitros e do sistema, fundamentadas em grande parte, mas que só por si, não explicam tudo.

 

Ou seja, nos dias que correm, o que é que nos distingue daquilo que disseram e fizeram, e dizem e fazem os nossos adversários? Qual é ou quais são o nosso ou nossos factor ou factores distintivos?

 

No capítulo das prioridades, há ainda quem não compreenda que os tais adeptos resultadistas e imediatistas, não valorizem o percurso na Champions, em detrimento das taças menores que ficaram pelo caminho. Por outras palavras, que se lixe a vertente desportiva, e viva a carteira recheada.

 

Mas será que as duas são mutuamente exclusivas? Estamos perante uma daquelas perguntas sacramentais e estúpidas (ou sacramentalmente estúpidas) que se se fazem às crianças: " de quem é que gostas mais, da mamã ou do papá? "

 

Há alguma regra que impeça de aliar um bonito percurso internacional, à conquista de alguma coisa entre portas? Se há, esqueceram-se de avisar o Villas-Boas e o Mourinho.

 

Se, por um lado, o sucesso internacional alimenta a carteira, as vitórias e os títulos alimentam a alma. A opção é difícil.

 

A lógica dirá que sem europa, não há pilim, sem pilim não há vitórias. Porém, foi a contrariar essa lógica que nasceu o FC Porto moderno.

 

O que é que apareceu primeiro: as vitórias ou os milhões?

 

Li recentemente uma notícia, segundo a qual o FC Porto terá embolsado qualquer coisa como 600 milhões em transferências. Onde é que param esses milhões?

As vitórias, essas estão no museu e até prova em contrário, é lá que vão ficar.

 

Também não é despiciendo que uma performance europeia de destaque projecta o clube e valoriza os seus activos, os jogadores. É um facto, sem dúvida.

 

Resta saber se o FC Porto dos dias de hoje, na sua fase pós-moderna, é um clube de futebol ou uma mera empresa comercial. O objectivo é simplesmente valorizar os seus activos e revendê-los com lucro, ou utilizá-los da melhor forma possível para atingir resultados desportivos a acrescentar ao seu palmarés?

 

Tirando o caso das empresas comerciais, em qualquer outro tipo de actividade, cujo exercício se pressupõe que irá ser continuado, que sentido fará ter por prioridade a venda dos activos necessários para a sua prossecução?

 

Sempre que é questionada a enormidade do passivo dos nossos rivais, invariavelmente a resposta é que os activos, nomeadamente jogadores e estádio, cobrem esse passivo.

 

É claro que todos sabemos que tal, apesar poder de ser factualmente correcto, não passa de uma falácia, pois se forem vendidos os jogadores e o estádio, não há clube. Connosco é diferente?

 

O que é que nos distingue deles? Qual a nossa marca distintiva?

 

A Taça de Portugal foi-se, por conta da rotatividade, que tão útil, veio a provar ser para derrotar o Basileia. A Taça de Portugal salvava a época? Nem por isso.

 

A Taça Lucílio Baptista também se foi. Não era prioritária. Dificilmente algum dia o será, logo, ainda menos salvava a época.

 

Uma boa presença nas competições europeias salva a época? Do ponto de vista estritamente financeiro, é bastante provável.

 

A Liga? É claro que sim, mas...o facto de agora se chamar NOS, não quer dizer que seja forçosamente para nós.

 

Tudo somado, estamos na iminência de acabar a época, como diria o Mourinho, com “zero tituli”.

 

Fazendo uma espécie de média, diria que, num ano normal nosso, ganhamos dois títulos: o campeonato e a Supertaça, como aconteceu nas duas épocas do Vítor Pereira.

 

Num ano bom, juntamos a Taça de Portugal, e num ano excepcionalmente bom ganhamos a Liga Europa, como aconteceu com o Villas-Boas, ou indo para além disso, a Champions.

 

Portanto, de uma época excepcional, passámos para duas normais, e menos que isso com o Paulo Fonseca, em que ficámos pela Supertaça.

 

E esta temporada, a ver vamos…

 

É esta tendência que me preocupa. E ainda mais que a tendência, preocupa-me a condescendência que vejo da parte de alguns para com a mesma, porque durante muito tempo, a nossa marca distintiva foi não haver jogos a feijões.

 

Competitividade até à medula, onde entrávamos era para dar luta, e ganhar, ou pelo menos, fazer tudo por isso, tantas vezes contra tudo e contra todos.

 

É irrealista nos tempos que correm? Talvez. Desculpem lá, mas não me levem a mal por querer ganhar qualquer coisinha!

 

Se vos diverte discutir o Lopetegui, o Quaresma, o Tozé, a rotatividade, os assobios, força. São temas entretidos para debater, e dão pano para mangas.

 

Agora, o que sinto é que talvez fosse mais proveitoso discutir o que é o portismo, na sua essência.

 

A crise maior que vejo é de identidade. À força de tanto querer universalizar, mais se perde aquilo que é nosso, que é único, o nosso factor distintivo, e os resultados estão à vista.

 

A universalidade pouco nos acrescenta, o único, pelo contrário, deu bons resultados.

 

Fico por isso com a triste sensação de que cada vez mais se fala do #SomosPorto, mas o que é (ou foi) Ser Porto, anda um tanto ou quanto esquecido, e pior ainda, que a todos os níveis, há por aí muito quem faça convenientemente por o esquecer.

 

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publicado por Alex F às 00:30
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