No mês passado, escrevi aqui um texto, intitulado "Comichões e comissões", onde, a propósito das contas dos três grandes divulgadas por volta dessa altura, tentei transmitir os motivos porque permanecia tranquilo em relação ao nosso clube.
Disse então: “(…) bem vistas as coisas, uma instituição capaz de satisfazer os seus compromissos, e ainda gerar verbas na ordem dos 25 milhões de euros, para gastar em menos-valias, comissões e serviços de intermediação, não pode ser motivo de excessivas preocupações”.
Não vou agora virar o bico ao prego, e afirmar algo diferente. Contudo, quando escrevi aquele texto fi-lo, como diria um professor meu de Economia, na hipótese ceteris paribus, ou seja, crédulo de que todas as demais variáveis permaneceriam constantes.
O que não aconteceu, como se veio a verificar, nomeadamente com o caso da suspensão da FC Porto Basquetebol SAD.
Não, não vou aproveitar para surfar esta onda, só porque está a dar. Basquetebol foi o único desporto que pratiquei federado, nos escalões jovens, é certo, mas joguei.
Aprendi a gostar de basquete a ver jogadores como Tó Ferreira, Júlio Matos, Beto Van Zeller, Rui Pereira, Parente, Charuto, e outros tantos, que não tenho de cor, e se for pesquisar perde a piada.
Por isso, confesso que sinto algum pesar por esta situação, assim como me entristece que o voleibol, que também pratiquei, mas apenas nos torneios do INATEL, e onde a minha figura de referência era, claro está, o incontornável, Nélson Puga, também tenha sido banido do nosso clube.
E faz-me espécie, de facto, que não haja uma solução para a continuidade do basquetebol. É claro que, se me colocarem as coisas em termos de ultimato: “queres o basquete ou queres uma grande equipa de futebol?”, a minha opção irá sempre pela segunda.
Mas será que chegámos a esse ponto?
Há por vezes coisas que estão nos relatórios de contas, mas que não nos apercebemos delas. Por exemplo, até ao Encontro de Sábado passado, graças ao José Correia, nunca tinha dado conta de que, parte do “proveito das quotizações pagas pelos associados do FC Porto (…) são proveito da sociedade desportiva” (Relatório e Contas 2010-2011 – 1 de Julho de 2010 a 30 de Junho de 2011, pág. 10), correspondendo a uma percentagem que “baixou de 80% para 75%” (pág. 11 do ante citado Relatório).
Este proveito surge no Relatório (pág. 85) contabilizado sob a rúbrica “19. Prestação de serviços”, subrúbrica “Receitas desportivas”, que contém:
“(ii) o montante de 11.642.723 Euros (11.071.546 Euros em 30 de Junho de 2010) relativo a venda de bilhetes para jogos realizados no Estádio do Dragão e de lugares anuais, o qual inclui 3.071.499 Euros (3.648.333 Euros em 30 de Junho de 2010) relativos à proporção da Sociedade nas receitas do Futebol Clube do Porto com quotas dos seus associados”
Aqui, começam as minhas dúvidas. Porque é que uma verba, que é um “proveito das quotizações pagas pelos associados”, é depois classificada como “prestação de serviços” ou “receita desportiva”?
Resulta do protocolado entre o clube e a SAD? Lindamente. Mas porquê aquela classificação?
Decorre da dívida que o clube terá perante a SAD? Talvez.
De acordo com o “Relatório e Contas Consolidado – 1.º Semestre de 2011/2012” (pág. 51), a dívida não corrente do clube para com a SAD, ascendia em 31.12.2011, a 12.727.243 Euros.
Neste sentido, “[o] Conselho de Administração da FCPorto, SAD em conjunto com a Direcção do Clube, definiu um plano de acções para reduzir progressivamente a dívida, tendo o mesmo sido contratualizado em 30 de Junho de 2011. Este plano de pagamentos pressupõe a dotação do Clube de capacidade financeira através de um conjunto de medidas de diferentes naturezas, das quais:
(…)
(ii) revisão da política de preços e redistribuição interna das receitas de quotização dos associados entre o Clube e a FCPorto, SAD;
(…)
O mencionado plano, que estima a realização daquele montante ao longo de quinze anos, até ao exercício 2025/26, considera o vencimento de juros a uma taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 6%.
O plano de pagamento pressupõe a liquidação de prestações semestrais (capital e juros), com vencimento em 31 de Dezembro e 30 de Junho de cada ano, de montante crescente, vencendo-se no exercício de 2011/2012 o montante de 177.312 Euros de capital e 1.022.688 Euros de juros, à taxa acima indicada. A médio e longo prazo, o vencimento daquelas prestações pode ser resumido da seguinte forma:”
- 01.01.2013 a 31.12.2014 – 2.700.000 (720.164 – capital; 1.979.836 – juro)
- 01.01.2015 a 31.12.2018 – 6.090.671 (2.626.740 – capital; 3.463.931 – juro)
- 01.01.2019 a 30.06.2026 – 12.610.027 (9.380.339 – capital; 3.229.718 – juro)
Ou seja, para saldar uma dívida de 12.727.243 Euros, o clube irá arcar, até 30.06.2026, com o pagamento de 8.673.485 Euros de juros, elevando o montante global a pagar para 21.400.728 Euros.
Há qualquer coisa que não joga. Se a transferência daquela percentagem das quotizações tem, de facto, por objectivo solver este compromisso, e se o ritmo a que se processam aquelas transferências se mantiver mais ou menos constante, a dívida estaria saldada em quatro anos e qualquer coisa (12.727.243/3.071.499 = 4,14), mais os eventuais juros, vá lá, cinco/seis anos.
Prevê-se alguma quebra significativa na receita das quotizações de associados?
Convirá ter presente uma outra possibilidade. Em 31 de Dezembro de 2011, os capitais próprios individuais da Sociedade representavam menos de metade do capital social, caindo assim no âmbito do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais (“Relatório e Contas Consolidado – 1.º Semestre de 2011/2012” (pág. 25) .
Perante este resultado, “[o] Conselho de Administração da Sociedade considera que, em função dos resultados consequentemente positivos apresentados nos últimos cinco exercícios, das estimativas orçamentais à data para o fecho deste exercício económico, e da melhoria dos resultados económicos e financeiros que se perspetivam para os próximos exercícios, a estrutura de capitais da sociedade sairá naturalmente reforçada.
Ainda assim, e no pressuposto de mais rapidamente dar cumprimento a esta obrigação, o Conselho de Administração, poderá ainda convocar uma Assembleia Geral Extraordinária, para discussão e aprovação das propostas que vierem a ser apresentadas, as quais poderão passar pelas seguintes alternativas:
• Redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade;
• Realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital; e
• A conjugação das duas alternativas”.
Sendo o clube detentor de 40% do capital da SAD, aquela verba poderia consubstanciar uma entrada do sócio, para reforço da cobertura do capital.
Esta possibilidade, porém, uma vez mais, colide com o tipo de classificação (“prestação de serviços”) utilizado, uma vez que, quanto a mim, deveria antes ser reflectida ao nível do capital social.
Vendo as coisas doutra forma, ou por outro lado, como se faz noutros sítios, que impacto tem uma verba de cerca de três milhões nas contas da SAD?
Se estas deram prejuízo, poderão concorrer para a sua atenuação, e favorecer o cumprimento do famigerado artigo 35.º.
Se, pelo contrário, como resulta do próprio Relatório e Contas do 1.º semestre, é o próprio Conselho de Administração a considerar que ”em função dos resultados consequentemente positivos apresentados nos últimos cinco exercícios, das estimativas orçamentais à data para o fecho deste exercício económico, e da melhoria dos resultados económicos e financeiros que se perspetivam para os próximos exercícios, a estrutura de capitais da sociedade sairá naturalmente reforçada”, o mais natural será haver lucro.
Assim sendo, os três milhões apenas irão incrementá-lo, aumentando o IRC a pagar ao estado, que tão carecido anda dele.
Bem, dito isto, retrocedo e torno a afirmar, se me colocam a questão em termos de a espada ou a parede, uma grande equipa de futebol, ou o basquetebol, ou qualquer outra modalidade de alta competição ou amadora, diga-se em abono da verdade, a minha escolha será sempre a mesma: o futebol.
No entanto, há uma questão que não consigo afastar da minha mente:
Uma Sociedade Anónima Desportiva “capaz de satisfazer os seus compromissos, e ainda gerar verbas na ordem dos 25 milhões de euros, para gastar em menos-valias, comissões e serviços de intermediação”, necessita tão impreterivelmente de três milhões de euros, que não pode prescindir deles em prol da manutenção de uma modalidade como o basquetebol?
Nota: A pergunta não é retórica!
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