Segunda-feira, 21 de Janeiro de 2013

Os grandes números e os pequenos homens

Quem segue o futebol português, por há muito pouco tempo que o faça, facilmente se terá apercebido que se trata de solo fecundo, por assim dizer, para cenas, no mínimo, caricatas.

 

E não, não estou a falar da arbitragem de Duarte Gomes em Braga. Nesse capítulo, António Salvador, presidente do SC Braga, disse praticamente tudo o que havia para dizer:

 

“Em 10 anos nunca saí deste estádio tão indignado após uma vitória expressiva como esta. Foi uma arbitragem vergonhosa, tendenciosa mesmo, [Duarte Gomes] andou durante todo o jogo a tentar arranjar forma de expulsar jogadores do Braga e depois expulsou o Paulo Vinícius num lance em que ele não fez nada para isso. Se é falta, é cartão amarelo. É uma expulsão vergonhosa”.

 

”só no tempo do Calabote é que se usavam arbitragens destas, no futebol atual, no futebol moderno e credível, não pode haver».

 

 [Duarte Gomes] «teve este ano a pior nota de um árbitro, 1,9: não foi para a ‘jarra' e hoje fez a exibição que todo o país viu”.

 

Os espaços que ficaram por preencher, o Zé Luis, no Portistas de Bancada, o Anti-Lampião, e o Tasqueiro Ultra-Copos, no Tasca de Palmeira, trataram de o fazer na perfeição.

 

Pela minha parte, um bocadinho por antecipação, dei uma modesta colaboração no texto "Quem melhor?!"

 

Posto isto, resta-me agora apenas acrescentar que Duarte Gomes integra a lista de Fontelas Gomes, a única que vai candidatar-se à presidência da APAF, na qualidade de secretário do Conselho Deontológico e Disciplinar, de que também fazem parte Pedro Proença, João “pode vir o João” Ferreira e Carlos Xistra.

 

A APAF era, e julgo que ainda será, um dos elementos do colégio eleitoral que sufraga a direcção da Federação Portuguesa de Futebol.

 

É claro, que tudo isto não passa de um mero fait divers

 

Assim como o facto de o Conselho de Arbitragem integrar, na sua secção profissional, nomes como os de Lucílio Baptista ou Luis Guilherme.

 

Por algum motivo, o próprio Pedro Proença tem dúvidas sobre se o futebol português merece reconhecimentos internacionais, como o de melhor árbitro do ano.

 

Afinal de contas, quem faz “uma crítica construtiva ao modelo de avaliação e funcionamento dos observadores em Portugal”, nos termos em que este o fez – “Sinto que os observadores estão condicionados porque querem ser da primeira categoria quando não têm qualidades para tal. (Tentam agradar) a quem está no poder” - e vê arquivado o processo de inquérito levantado, dá não só mostras de ser profundamente conhecedor da forma como as coisas funcionam, como lhe assiste toda a legitimidade para se pôr em bicos de pés.

 

Como ver colocada em causa por aquela afirmação a “competência e idoneidade dos observadores”?

 

É claro que depois, pouco surpreende que se veja envolvido em cenas rocambolescas como a não nomeação para o recente clássico da Cesta do Pão ou o adiamento do nosso jogo em Setúbal.

 

Comecemos pelo fim, pela não nomeação. Vítor Pereira diz que Pedro Proença estava de férias, com pedido de dispensa metido e autorizado, e como tal, não foi nomeado.

 

Vem Pedro Proença e diz que não senhor, acabem lá com esse mito das férias. Estava ausente do país, mas perfeitamente disponível para apitar o clássico. Porém, é o próprio que admite “que dificilmente podia ser o árbitro escolhido, uma vez que esteve recentemente no V. Setúbal – FC Porto”.

 

Em seguida, surge uma nova “notícia”, de origem desconhecida, que dá conta de que terá sido Pedro Proença a pedir dispensa no período de 12 a 19 de Janeiro, "por motivos profissionais". A partida na Cesta do Pão disputou-se a 13 de Janeiro.

 

Este é o protótipo do “caso” do futebol português. Aquele que não tem caso nenhum, mas que ainda assim, faz caso.

 

Seria facílimo tirar a limpo se houve ou não o tal pedido de dispensa, e a coisa morreria por aí. No entanto, como convém nestas situações, o último comunicado sobre nomeações de árbitros existente no site da Federação Portuguesa de Futebol, remonta algures a meados de Dezembro. Os da Liga sempre estavam mais actualizados…

 

No entanto, e caso a Comissão de Arbitragem fosse fiel aos seus próprios critérios, o que, como se viu, pelo menos com Duarte Gomes, não acontece, a chave de toda esta charada estaria, quanto a mim, naquilo que o próprio Pedro Proença admite:

 

“dificilmente podia ser o árbitro escolhido, uma vez que esteve recentemente no V. Setúbal – FC Porto”

 

Mas, e esteve?

 

 

 

Vítor Pereira contaria que sim. Tanto assim é que o indicou para esse encontro, e dessa forma, estaria consequentemente afastado do clássico.

 

Contudo, o São Pedro, que não Proença, e todos os intervenientes directos na partida, trocaram-lhe as voltas nesse dia. As bátegas de água que se abateram sobre o Bonfim inviabilizaram a realização da partida.

 

Alguns, a maior parte, diria mesmo, viram nessa situação o dedo ardiloso do FC Porto, mancomunado com o árbitro, por forma a evitar prejuízos maiores.

 

O que é certo é que, nenhum dos que directamente iam intervir no jogo, desejavam ardentemente que ele se realizasse.

 

Do nosso lado seria sempre um jogo de risco. A repetição da piscina de Coimbra, sem Duarte Gomes e com pouca confiança no Silvestre Varela, para sacar um pontapé como aquele que então nos salvou.

 

Os da casa, teoricamente beneficiados pelo mau tempo, como fizeram questão de afirmar os comentadores, pois sempre é mais fácil num terreno daqueles, destruir que construir, e com fé, talvez saísse alguma coisa, também não tinham grande interesse em jogar naquele dia.

 

Desde as sete horas da tarde que corria em Setúbal, que não iria haver jogo. Público, nem vê-lo, e a boa casa eventualmente perspectivada foi-se, levada pela enxurrada.

 

O árbitro, apitando em Setúbal, automaticamente ficaria de fora do clássico.

 

A quem interessaria então a realização desta partida, naquelas condições?

 

Que tal ao interveniente indirecto omnipresente do nosso futebol? Entre ver um rival directo estrebuchar sob a intempérie, e um árbitro indesejado, afastado de um jogo importante, ou conquistar o título de campeão de Inverno, passar o Natal e entrar no Novo Ano em primeiro lugar, com três pontos à maior, ainda que com um jogo a mais, o que seria preferível?

 

Melhor, só a solução preconizada por esse acérrimo defensor da verdade desportiva que é Rui Santos: falta de comparência a ambos. Tudo em prol da verdade desportiva. Resta saber qual…

 

Ou seja, Vítor Pereira, e sabe-se lá mais quem, criaram todas as condições para que Pedro Proença, não marcasse presença no clássico.

 

Pedro Proença, e sabe-se lá mais quem, criaram todas as condições para que estivesse presente no clássico, e simultaneamente, a fazer fé no tal pedido de dispensa, para que não estivesse.

 

O ónus da decisão recaía sobre o primeiro, que decidiu, e ficou para si com o odioso da questão.

 

Perante situações desta natureza, há sempre quem prefira acreditar em coincidências e nos efeitos paliativos da verdade estatística da lei dos grandes números.

 

Como se um qualquer karma cósmico universal assim o determinasse, acreditam que no infinito, ou quando se fizerem as contas finais a esta Liga, which ever comes first, os erros a favor e contra, tendencialmente terão saldo nulo.

 

Por mim, tendo em conta o esmero e a antecipação com que vou vendo estas situações serem repetidamente preparadas, tenho sérias dúvidas de que a lei dos grandes números se aplique a pequenos homens.

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