A TVI24 tem mais um daqueles programas dedicados ao comentário da actualidade desportiva, onde representam Benfica, Sporting e FC Porto, respectivamente, Fernando Seara, Eduardo Barroso e Pôncio Monteiro.
Anteontem, a dada altura e a propósito das contratações do Benfica, Eduardo Barroso fez um comentário qualquer que enervou Fernando Seara, e que o levou a recomendar paternalmente, que “não se preocupasse tanto com o Benfica”, que o Benfica estava bem, e que “não se preocupasse com o Benfica”.
Aposto que Eduardo Barroso, tal como eu, e muitos outros não benfiquistas, ficámos todos muito mais aliviados, porque o Benfica se encontra bem e de saúde. Mas tal, não leva a que, ao menos pela minha parte, o Benfica deixe de ser motivo de preocupação.
E preocupo-me, e vou continuar a preocupar-me, porque a reacção do Dr. Fernando Seara, foi idêntica à reacção do presidente do Benfica, quando confrontado com a notícia de que a sua direcção havia hipotecado dez anos de receitas para pagar os reforços contratados neste defeso.
Preocupo-me porque, pouco depois de ser do conhecimento público esta operação financeira, o presidente do Benfica veio dizer que “o dinheiro não cai do céu”, e que afinal de contas não havia qualquer antecipação de receitas, mas que estava tudo bem. Porém, não explicou, nem pouco mais ou menos, de onde vinha então o dinheiro.
Preocupo-me ainda, porque foi o Benfica o clube que foi multado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em 40 mil euros, por “informação não verdadeira”, aquando da contratação do brasileiro Ramires.
Preocupa-me que, no clube com mais associados em todo o Mundo (cento e setenta e um mil, ao que consta), a Direcção em funções tenha sido, Enver Hoxhianamente[1], eleita por 18.825 votantes (91,74% dos votos), e o orçamento para 2009/2010, de 29 milhões de euros, tenha sido aprovado por 90%, de 52 gatos pingados, após segunda convocatória, por falta de quórum à primeira, e com chapadas à mistura.
Preocupo-me pelo ar de evidente desconforto de que Fernando Seara fez alarde, quando Eduardo Barroso, se calhar não tanto descabidamente como poderia parecer, associou a sua presença naquele espaço de comentário às eventuais vantagens políticas que daí poderia retirar.
Preocupa-me o ar maioral com que o Dr. Fernando Seara proclamou que o Benfica se encontrava em posição privilegiada para renegociar os direitos das transmissões televisivas, cujos contratos, pelos vistos, vão caducar em lá para 2013, ou seja, após o términus do mandato desta direcção do Benfica, que o Dr. Seara apadrinha.
Preocupam-me notícias, como aquela do “Sol”, aqui há uns dias, de uma dívida por parte do Benfica, à empresa Euroárea, decorrente do financiamento obtido para a construção do Centro de Estágio do Seixal, que deveria ser ressarcida através da obtenção, junto das Câmaras de Lisboa e do Seixal, de novos alvarás para projectos urbanísticos.
Preocupo-me porque, por exemplo, a Dr.ª Maria José Morgado, que tão diligentemente, não teve pejo em servir-se do “Eu, Carolina”, para reabrir os casos da “Fruta” e do “Envelope”, não dedique o mesmo tipo de atenção a notícias como a anterior.
Preocupo-me que, perante a existência de factos públicos, bem elucidativos da forma como o Benfica branqueou as dívidas fiscais que lhe impediam de receber fundos públicos para a construção do novo Estádio, a mesma Dr.ª Maria José Morgado fique impávida e serena.
Preocupa-me este tipo de encolher de ombros, que não é de hoje, e que vem repetir o que aconteceu aquando do episódio das certidões das Finanças, digamos, que relativamente conflituantes com a verdade, obtidas por Vale e Azevedo, descrito pela Dr.ª Maria José Morgado, no seu livro “O inimigo sem rosto – Fraude e Corrupção em Portugal”.
Preocupo-me porque aí, perante a diluição da(s) responsabilidade(s) pelo ocorrido por vários autores, a conclusão, pura e simples, foi que não era possível apurar o(s) culpado(s).
Preocupa-me o ataque de amnésia, que faz esquecer o eixo do mal, caracterizado pela autora no dito livro, como sendo constituído pela tríade: autarcas, promotores imobiliários e clubes de futebol, sempre tão presente em tantos aspectos da vida do Glorioso.
Preocupa-me que, afinal de contas, se dê tente dar um rosto à corrupção, mas que por detrás desse rosto esteja um clube desportivo, e que os factos com que se pretendia sustentar essa tentativa não fossem, ao que se sabe, além da estrita esfera do fenómeno desportivo, quando outros, de muito maior quilate, e transversais à sociedade, no seu todo, passam incólumes.
Preocupo-me porque este estado de coisas, em vez de melhorar, parece que tem vindo progressivamente a assumir contornos que parecem pouco apropriados para um regime democrático, e mais condizentes com uma ditadura – a ditadura dos seis milhões.
Preocupa-me, numa instituição, supostamente respeitável, como o é, o Sport Lisboa e Benfica, a constante falta de fairplay, de jogo limpo, de transparência, de vergonha na cara, de ética, desportiva e não só, e as recorrentes tentativas de abuso de posição dominante por parte dos seus corpos sociais.
Preocupa-me que, quando se fala em verdade desportiva, não sejam lançadas petições online sobre estes assuntos.
Preocupa-me que, numa altura em que o presidente da UEFA tanto se preocupa com o Real Madrid, o Cristiano Ronaldo e o Manchester City, o organismo que superintende o futebol europeu, não se preocupe com a transparência de gestão dos seus filiados, e não estude medidas que fomentem e defendam a sã concorrência entre os clubes.
Por estas alturas devem possivelmente, estar a pensar que vivo amargurado e deprimido com todas estas preocupações. Faço minhas, com o devido respeito, as palavras do Dr. Fernando Seara e do presidente do Benfica: não se preocupem, está tudo bem.
Devem ter notado que nenhuma das preocupações expressas, tem que ver com o que se passa no campo de jogo, propriamente dito.
Enquanto o FC Porto continuar a conseguir, por direito próprio, e sem favores de ninguém, nem pedidos para que outros sejam excluídos, ombrear taco-a-taco com clubes como o Manchester United, ainda que não lhes ganhe.
Enquanto no discurso dos seus jogadores, mesmo naqueles acabados de chegar há dois dias, a tónica for: “Ganhar, ganhar, ganhar!”.
Enquanto, cada vez que jogar, demonstrar o potencial suficiente para tornar irrelevante a presença do(s) árbitro(s), a favor ou contra.
Está mesmo tudo muito bem!